O voto nasce do vínculo, não do viral
- Lucas Comunica

- 20 de out.
- 6 min de leitura
O tráfego que vale a pena é o que cria relação
Na política digital, visibilidade ainda importa, mas o que decide o jogo é o vínculo. O tráfego que vale a pena é o que cria relação e fortalece o vínculo com o eleitor.

Enquanto boa parte das campanhas e mandatos ainda comemora visualizações e curtidas, o campo da comunicação política caminha silenciosamente para outro lugar. O futuro não está no vídeo que viraliza, mas na estrutura que transforma atenção em dado e dado em relação.
Em 2025, investir em tráfego pago continua sendo essencial, mas a pergunta mudou: não é mais “quantas pessoas viram?”, e sim “quantas toparam continuar a conversa?”.
Da visibilidade ao vínculo
Nos últimos ciclos eleitorais, o uso de mídia paga na política cresceu de forma acelerada. Os orçamentos migraram do outdoor para o impulsionamento, e o digital se consolidou como a principal arena de disputa narrativa.
Mas a transição não veio acompanhada de uma mudança de mentalidade. Muitos candidatos passaram a investir em tráfego como quem compra visibilidade, acreditando que bastava fazer chegar. O resultado foi previsível: campanhas com milhões de impressões, mas nenhuma base consolidada, nenhum banco de dados próprio, nenhum vínculo real com o eleitor.,
A diferença entre gastar e investir em tráfego não está em usar ou não usar mídia paga, mas em compreender a função estratégica que ela desempenha. O tráfego voltado à visibilidade ainda tem seu papel: mantém presença, reforça lembrança, estimula novas conexões e ajuda a preservar o alcance entre quem já interage.
Mas é um papel tático, não estrutural.
O dado como elo
Sem estrutura de captação, o tráfego funciona como um empurrão temporário: útil, mas insuficiente. Ele pode até gerar resultado quando o conteúdo é realmente bom e, para quem gosta de métrica da vaidade, pode servir para empurrar conteúdo ruim e fazê-lo parecer relevante. Mas há uma premissa contraintuitiva que define a maturidade digital de uma campanha/mandato: quanto melhor o conteúdo, menor a dependência de tráfego para performar. O tráfego entra hoje, mesmo em conteúdos bons, como um empurrão na disputa de atenção. O que sustenta o desempenho a longo prazo é a rede de compartilhamento e a compreensão do algoritmo de que mais pessoas querem ver aquele conteúdo.
A atenção é o primeiro passo para criar vínculo, algo que se ouve com frequência de Lucas Pimenta, jornalista e estrategista digital com ampla trajetória em campanhas eleitorais no Brasil. Pimenta costuma dizer que a atenção é o capital inicial de qualquer narrativa política. É nesse ponto que o tráfego, o dado e o vínculo se encontram: a atenção abre a porta, mas o dado mantém o diálogo vivo.
A visibilidade é o começo, não o fim. O que diferencia campanhas e mandatos maduros é a capacidade de transformar o alcance em dado, o dado em relação e a relação em mobilização. O jogo político digital mudou de eixo. Se em 2018 e 2020 a obsessão era bater milhões de visualizações, o cenário pós-2024 aponta para outro paradigma: a centralidade dos dados de relacionamento. Quem domina o contato direto, seja por e-mail, DM do Instagram ou pelo WhatsApp, está dois passos à frente de quem ainda depende do algoritmo para se comunicar.
O WhatsApp se consolidou como o principal canal de contato direto e de vínculo com o eleitor. É nele que campanhas e mandatos políticos aprofundam relações, enviam informações segmentadas, respondem dúvidas e mobilizam grupos de apoio de forma constante e personalizada. É onde o dado deixa de ser número e passa a ser relação, e onde a relação começa a transformar vínculo em votos.
A estética do vínculo
Mesmo nas redes onde a atenção ainda é abundante, o vínculo virou a nova métrica de valor. No Instagram, por exemplo, os Stories se tornaram um caso claro de mudança de lógica. O que antes era um espaço secundário virou território de proximidade. Não é mais o lugar para despejar sobras de vídeos que não foram para os Reels, mas o espaço onde se constrói rotina, confiança e pertencimento. É ali que o político aparece sem performance, mas com presença. Onde o seguidor deixa de ser espectador e começa a se sentir parte de uma conversa.
Essa virada é acompanhada de uma tendência decisiva: a autenticidade como ativo de conexão. Os vídeos que parecem roteirizados, com enquadramento perfeito, fala ensaiada e edição polida, estão perdendo força frente a conteúdos que, mesmo planejados, soam espontâneos. A percepção de naturalidade virou a nova moeda da confiança. Um político que fala olhando para a câmera, tropeça numa palavra, ri de si mesmo e segue falando gera mais vínculo com o eleitor do que quem entrega um discurso impecável. Autenticidade não é descuido, é coerência. O conteúdo importa, mas a maneira de dizê-lo define se ele soa real ou ensaiado.
Essa transformação na comunicação política tem muito a ver com o que Marcello Natale chama de “o poder discreto da intimidade”. Em um artigo publicado no Upiara Online em setembro de 2025, Natale descreve o deslocamento da política do palanque para o celular e o surgimento de uma nova gramática de convivência. Segundo ele, “saímos da lógica da influência para a lógica da convivência”. O político eficaz hoje não é o que fala mais alto, mas o que consegue compartilhar o mesmo espaço simbólico que o eleitor, habitando o cotidiano das pessoas.
A ideia de intimidade que Natale propõe ecoa na prática do vínculo digital. Quando o político aparece na rotina, responde mensagens, mostra bastidores e mantém presença constante, ele constrói o que o autor chama de “comunidade”, não apenas “público”. O voto nasce justamente desse tipo de vínculo, o que se constrói no convívio e não na performance.
Quando o tráfego vira arquitetura
Com tantas propagandas disputando o feed, tudo o que soa como propaganda é rejeitado. Não por acaso, as grandes marcas migraram para estratégias com microinfluenciadores e campanhas integradas em conteúdos que já pertencem ao repertório de um nicho específico. A lógica é simples: o público aceita o discurso quando ele parece vir de dentro, não de fora. Na política, vale o mesmo princípio. A frequência e a estética da rotina, com vídeos simples, feitos com o celular e falas diretas e recorrentes, criam familiaridade pela repetição. E é essa familiaridade que constrói a sensação de intimidade, base indispensável para o vínculo político no ambiente digital.
Quando uma campanha/mandato investe em tráfego pago, o que ela realmente está fazendo é estruturando um sistema de inteligência de dados e relacionamento. Cada clique, quando bem interpretado, se transforma em sinal de interesse, de afinidade e de potencial de mobilização digital. O tráfego deixa de ser apenas uma via de exposição e passa a funcionar como infraestrutura estratégica de conexão, capaz de sustentar tanto o contato individual quanto a criação de comunidades em torno de uma causa ou projeto político. Essa estrutura é o que permite transformar vínculo em votos, quando o dado vira relação e a relação se converte em mobilização digital.
O estrategista como arquiteto
Nada disso acontece sem visão de longo prazo. Não basta impulsionar conteúdo ou ampliar alcance. É preciso entender que o investimento em tráfego é também investimento em capacidade analítica e narrativa. O valor está em transformar atenção em conhecimento sobre o público e, a partir daí, construir uma comunicação mais precisa, mais humana e mais relevante.
Tráfego, nesse contexto, não é vitrine. É arquitetura. E quem aprende a operar essa arquitetura com método, ética e propósito ganha autonomia sobre sua própria comunicação e poder real de mobilização. Essa virada exige também uma mudança de cultura nas equipes. O gestor de redes precisa se tornar gestor de funil político ou ter um ao seu lado. O papel do núcleo estratégico digital de campanhas e mandatos não é mais só pensar em pauta ou formato, mas desenhar o fluxo completo de relacionamento: do anúncio ao cadastro, do cadastro à mobilização, da mobilização ao voto.
O voto nasce do vínculo
Essa mudança devolve racionalidade à comunicação política. Em vez de disputar vaidade de alcance, as campanhas e mandatos passam a disputar eficiência de conexão. Em vez de buscar relevância no sentido performático, passam a buscar pertinência no sentido político.
A política que vai sobreviver ao caos das redes é a que souber transformar o clique em contato e o contato em comunidade. Tráfego continua valendo a pena, mas não pelo que mostra, e sim pelo que coleta. O futuro da comunicação política não está em quem grita mais alto no feed, mas em quem sabe ouvir, registrar e cultivar o diálogo fora dele.
No fim das contas, view não vota. Mas quem deixa o contato, quem volta a conversar, quem se sente parte, esse sim pode mudar o resultado de uma eleição.
O voto nasce do vínculo, não do viral.








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